A Beleza começa a aparecer no mundo quando a matéria criada se diferencia
por peso e por número, circunscreve-se em seus contornos, ganha figura e cor;
ou seja, a Beleza funda-se na forma que as coisas assumem no processo criativo.
[Umberto Eco, in A
História da Beleza, cap. 4 O Cosmo e a Natureza]
Caravaggio, St John The Baptist, 1603.
Tanto se ocupam os filósofos e
teóricos de todos os tempos ao Belo, porque defini-lo é tarefa árdua desde sempre.
Ao final de seu Hípias maior, Platão afirma:
“Coisa difícil é o Belo”. Neste magnífico diálogo, Platão nos apresenta diversas definições
do Belo, forçando-nos a imergir numa interessante busca analítica de questões
sobre a beleza, sem no entanto esgotá-las. Também é interessante notar que a questão lhe é
recorrente, já que aparece em outros diálogos [como o Fédon], e muitas de suas discussões representam uma mudança na
direção filosófica iniciada por outros filósofos. Assim, aprendemos em Platão, que o Belo, mais ou menos belo, é belo “porque existe um belo pleno” [no mundo das Ideias].
O Belo é a “ideia eterna, perfeita, imutável, da qual participam temporal, imperfeita
e diversamente as coisas empíricas”.
Mais tarde, outras definições do
Belo vão tomando outros contornos, dissecados metafisicamente ou como atributo de um
princípio supremo. Em Plotino, o belo é o “resplendor de uma luz inteligível nas
coisas sensíveis”. Em Santo Agostinho é “a beleza das formas que têm sua fonte
em Deus”. Em Kant, “a beleza livre, que não depende de nenhum conceito de
perfeição ou uso; e a beleza dependente, que depende desses conceitos”. Em
Hegel é a “manifestação sensível da ideia” ... ...
As estreitas relações entre o Belo
e o Bom têm origem na antiguidade clássica, e são também, ao longo do tempo, relacionadas à perfeição ou à contemplação da
natureza. Em épocas mais recentes, essas questões são tratadas de maneira diversa,
e as definições antes delimitadas por substantivos supremos [como: ideia, perfeição,
forma, ser, Deus, ou verdade] vão-se estendendo ou derivando em outras, adjetivadas
como qualidades nas quais se manifesta e resplandece, reflete ou se faz presente
um princípio supremo: aqui, nas definições do Belo, aparecem também as coisas
sensíveis, empíricas, e que não são belas por si mesmas e nem por sua relação
com o homem.
Em algumas teorias estéticas
modernas, a beleza reina com caráter absoluto sobre o tempo e a história, sobre
todos os homens e as coisas concretas, por um lado com independência dos
objetos reais e, por outro, na estreita relação humana com ela, e suas implicações. Podem ser reduzidas à Estética e à Arte em algumas. Há teorias em que as definições de beleza fixam sua atenção nas coisas
belas, seja por sua realidade própria ou sua condição de objetos para um
sujeito, há outras que fixam suas bases naquilo que transcende a realidade, outras
buscam sua definição na relação entre a beleza e o sujeito, ou na forma como
este é afetado por aquela. Ao longo do tempo, notamos que não apenas nas diferentes épocas, diferentes culturas, o pensamento e estudos sobre o Belo mudam e se concretizam a partir de ideias e percepções distintas, como também muitas vezes entram em conflito ou negam outras concepções, na formulação de questões que se apresentam mais ou menos importantes em determinado contexto, estudo ou análise.
Em seu A História da Beleza, Umberto Eco faz uma compilação de imagens e textos que nos guiam numa reconstrução das múltiplas ideias de Beleza expressas e discutidas desde os gregos até os dias de hoje. Em certo momento, Eco afirma: “nosso livro pode mesmo ser acusado de relativismo, como se quisesse dizer que aquilo que é considerado belo depende da época e da cultura. É exatamente isso que se pretende dizer”. Eco também nos diz que não podemos esquecer que, embora as questões mais importantes sobre o Belo, assim como a representação deste [seja na forma de pensamento, literatura, pinturas, desenhos, fotografias, música ou outra arte] tenham chegado até nós a partir da filosofia e do pensamento intelectual, de artistas e cientistas, há que se pensar na relação entre o Belo e as pessoas comuns, e tentarmos entender a forma como estas se relacionavam com a Beleza. Com esse exemplo, eu não posso deixar de dizer que a intenção deste post é apenas chamar
a atenção para mais uma reflexão sobre as diversas concepções da beleza, e da
necessidade de estudarmos incansavelmente o assunto, pois que o Belo não pode
ser absoluto, fechado em uma definição imutável, mas nele devemos penetrar profundamente. Ou, nas palavras de Platão: “Coisa
difícil é o Belo”.