segunda-feira, 28 de julho de 2014

Nos Penhascos de Mármore


Nos Penhascos de Mármore é um dos mais belos e impressionantes textos que já li. O livro, do alemão Ernst Jünger, foi originalmente lançado em 1939, às vésperas da guerra, e tornou-se um clássico moderno. Contraditoriamente foi considerado antinazista pelos ingleses e profundamente nazista pelos alemães, mas deixo essas meditações aos leitores.

Em breve posfácio, lemos que Jünger lutou com rara bravura na Primeira Guerra Mundial, cuja experiência é descrita magnificamente em Tempestades de Aço, considerado por André Gide como o mais belo livro de guerra já escrito. Sabemos também que Ernst Jünger foi um altivo soldado antes de se tornar escritor, e em seus textos percebe-se a narrativa da vida de lutas, o sacrifício, a dor e o sofrimento em combate, além dos textos em que demonstra sua simpatia pelo nacionalismo. 

Jünger acreditava que a confrontação bélica e um exército forte configuravam a necessidade de mobilização nacionalista dos alemães, pela derrubada da democracia e a construção de uma nova Alemanha, e engajou-se de corpo e alma nessa luta.  Entretanto, alguns anos depois, ao perceber as mudanças de rumo político do nacional-socialismo, Jünger abandonaria os planos militares e se afastaria para tornar-se um escritor. Então passou a viver em pequenas cidades alemãs e dedicou-se a uma vida serena e voltada aos valores humanistas. Em sua biografia consta que sua literatura era muito admirada por Hitler, o qual convidou-o mais de uma vez a integrar um grupo de candidatos ao Parlamento.  Jünger recusou as propostas e, por suas ideias, o general Goebbels quis persegui-lo, mas Hitler, por respeito e admiração ao escritor, ordenou deixá-lo em paz.

Jünger fez uma viagem ao Brasil em 1936, na qual ficara encantado com a exuberância da floresta amazônica, a fauna e a flora brasileiras, as formações rochosas do Rio de Janeiro e as serpentes que observou no Instituto Butantã em São Paulo. Segundo estudiosos, Jünger incorporou esses elementos à magnifica paisagem descrita em Nos Penhascos de Mármore.

Narrado em prosa de rara beleza e estilo, Nos Penhascos de Mármore é uma alegoria da Europa sob a sombra da Segunda Grande Guerra, e revela-nos de maneira sutil e simbólica tanto a realidade [com fina observação da natureza] quanto a devastação e a brutalidade do totalitarismo. É um livro belo em muitos aspectos, e conta-nos de maneira límpida e poética a vida comum e os acontecimentos em um povoado, a partir da observação da natureza e do comportamento humano, ressaltando o valor da ciência e da beleza, e o desenrolar da luta contra o poder destrutivo. É daqueles livros tão bem escritos que as imagens ficam coladas à memória de maneira irreversível, tanto por sua beleza imagética quanto pela verdade subjacente às imagens evocadas. O livro é ao mesmo tempo metáfora e reflexão: pura literatura que também mostra o mundo como o conhecemos. Ou desconhecemos.

Não falarei muito sobre a narrativa, para não adiantar as surpresas, mas Nos Penhascos de Mármore conta-nos a vida de dois irmãos, os quais já combateram em uma guerra, e optaram por viver no alto de um despenhadeiro, de onde, protegidos por serpentes nativas, observam a geografia imaginária da bela cidade de Marina, a qual se estende no vale, embaixo, e mais além as florestas escuras da Mauritânia e as pastagens da Campanha. Os dois são eruditos e amantes da beleza e dos estudos, e passam os dias a recolher espécimes raros de flores e plantas, catalogando-os em sua grande biblioteca. Este idílio, porém, é alterado brutalmente pela violência crescente e aterradora que ameaça sua pacífica realidade, com a aproximação do poder e domínio de um ditador sanguinário. 

E eu paro por aqui, para não estragar a beleza da descoberta. Considero-o não apenas uma sugestão de leitura, mas imprescindível. A Beleza compensa, e cada um que se entregar a este magnífico livro o saberá.



Nenhum comentário:

Postar um comentário