quinta-feira, 3 de julho de 2014

Adão no Paraíso

Adão e Eva, Albrecht Dürer, óleo sobre madeira, 1507.


O pequeno e belíssimo livro com 3 ensaios de José Ortega y Gasset "Adão no Paraíso e outros ensaios de Estética" traz reflexões importantes sobre Estética, Literatura, Pintura e Arte.  Nestes belos textos, Ortega y Gasset aborda questões relacionadas ao gosto e à tomada de posição em relação à arte, em relação aos estudos de estética e às emoções suscitadas diante da obra. O autor, em linguagem fluida, direta, desconstrói alguns dogmas da tradição crítica, com simplicidade e maestria. 

No primeiro ensaio, Adão no Paraíso, Ortega y Gasset aponta-nos que “há tantas realidades quanto pontos de vista” e, portanto, não se pode crer numa realidade imutável e única com a qual se pode comparar ou definir os conteúdos das obras de arte. Ainda, segundo ele, “toda cultura é artifício”, resultado de uma cadeia de ideias, práticas, pontos de vista e tomadas de posição.  
         
Ortega y Gasset diz-nos que os limites da teoria, a qual reduz a arte a conceitos, exclui o pensamento acerca da origem das emoções diante das obras. A partir da sua experiência e do seu gosto, como espanhol e pensador, passa a compor reflexões que formam a base da sua investigação estética, sem, no entanto, se deixar cair nas armadilhas das verdades absolutas ou irrefletidas. Assim, o filósofo valoriza o sentimento e a emoção diante da obra e, para ilustrá-lo poeticamente, constrói uma interessante metáfora: "Adão foi o primeiro ser que, vivendo, sentiu a si mesmo viver. Para Adão a vida existe como um problema". Assim, para Ortega y Gasset não existe arte sem reflexão, e Adão torna-se o primeiro homem a prová-lo e se diferenciar dos animais. O homem carrega, pois, dentro de si, um problema heroico, trágico, e a arte é o que permitirá resolver esse problema.

Segundo o autor, a estética é uma “operação bastante melancólica” e pretende “encaixar nos quadradinhos dos conceitos a pletora inesgotável da substância artística”. Por outro lado, “não há forma de aprisionar em um conceito a emoção do belo”, já que diante da obra de arte “a observação estética não satisfaça nunca”. “A arte é o reino do sentimento, e dentro da constituição desse reino, o pensamento só pode frequentar o plebeu e o vulgar, só pode representar a vulgaridade.”

Ortega y Gasset analisa ainda outros aspectos: para as ciências, as coisas são casos particulares de leis gerais. "Da tragédia da ciência nasce a arte. Quando os métodos científicos nos abandonam, começam os métodos artísticos". As artes são, portanto, parte do mistério. E o ensaísta vai defini-las pelo que há de particular e irredutível em cada uma: “uma arte que pode se expressar de outra forma não é arte; o significado de um poema traduzido em prosa já não é o poema”. E, em certo ponto, afirma: “mas, para quem tem consciência do que significa uma orientação exata nesses assuntos, a estética vale tanto como a obra de arte”.

Para não esgotar as surpresas desse pequeno e belíssimo livro, termino o post por aqui [sem mencionar os outros dois ensaios]. Voltarei a ele, para reconstruí-lo de outra maneira ou para falar dos olhares e da beleza que brota do olhar dos artistas.

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