Capa de O Monge e o Touro, Monja Coen Rôshi.
Este pequeno livro é uma
belíssima versão da Monja Coen Rôshi, a qual fez a tradução e os comentários de Os dez desenhos de domar o touro — Jûgyûzu,
originalmente criados pelo monge Kakuan Shion Zenji, mestre Zen do século
XII. O mestre Zenji pertencia à linhagem
Yôgi (Escola Zen Rinzai) na China antiga, e muitos de seus trabalhos são ainda
estudados, e essa obra, especificamente, já foi traduzida e reproduzida de diversas formas nos últimos oitocentos anos.
Os desenhos de Zenji no Jûgyûzu
ilustram o desenvolvimento espiritual de um praticante ao entrar no Caminho até
completar o seu treinamento. A simplicidade e os ensinamentos do livro traduzem
conhecimentos que mestres ancestrais apontam para darmos início à nossa jornada
espiritual. A partir da metáfora do touro indomável, podemos entender que na
verdade somos seres perfeitos, completos, mas que nossa jornada espiritual — ou
o Caminho da Iluminação — é um trabalho árduo e profundo, no qual devemos
mergulhar para acessarmos a essência do nosso próprio ser.
Nas palavras da Monja Coen, o touro
pode representar, à primeira vista, a característica bestial e selvagem que
deverá ser domada em nós. Mas ele representa nosso Eu verdadeiro, e a ignorância, na verdade, é a própria imagem
humana, representada na busca por algo desconhecido, ou externo a nós. Todos nós
vivemos condicionamentos e preconceitos os quais devemos enxergar, conhecer e
acessar para agirmos de maneira mais essencial. Assim, as pegadas e as pistas
indicadas nos desenhos de Kakuan Zenji mostram-nos as etapas necessárias para
atingir esse conhecimento.
Em outras palavras, talvez devamos
conhecer nossa natureza, ou o que nos habita todo o tempo, mas que não
prestamos atenção. A tendência é buscarmos fora de nós a realização ou a
verdade essencial, pensando que estas estão em outro lugar ou dependem de algo
externo a nós. E muitas vezes seguimos em uma busca inútil, inócua, mas devemos
apenas olhar com um pouco mais de atenção e lucidez para aquilo que já temos,
ou seja, devemos buscar em nós o Caminho. Os condicionamentos — ou o touro
e a sua fúria — nós carregamos todo o tempo, mas é necessário ater-nos
a eles, conhecê-los profundamente e domá-los
para acessarmos a natureza pura, simples e verdadeira que está presente em nós.
Os comentários da Monja Coen em
sua versão do texto são simples e transparentes como a água, e tocam-nos de
maneira sutil, sem, no entanto, retirar a descoberta e a beleza do texto
original, que também está ao final do livro. Não posso deixar de falar do cuidado
gráfico do livro e das ilustrações de Fernando Zenshô, que são belíssimas e
surpreendentes, ele que, na verdade, foi o idealizador deste projeto.
Posso dizer que é uma honra e um
deleite penetrar nessa versão, para desvendar os rastros do touro, entender a sua
forma e perceber que ela é uma entre todas as outras formas, ou que a essência
de cada coisa não é diferente daquela do ser humano. E que o Caminho não começa
nem acaba, ele está aí, e é necessário percorrê-lo. Enfim, um livro lindo a ser
apreciado e praticado.