Yasushi Inoue
O Japão tem sempre algumas
preciosidades na literatura, em todos os tempos. Uma delas, e que descobri
recentemente por acaso, é o primeiro livro de Yasushi Inoue, O Fuzil de Caça, escrito em 1949, no qual
por meio de cartas, numa arquitetura textual interessante, um narrador/escritor
conta-nos uma história sob a ótica de diversos personagens. A forma sublime como Inoue constrói a narrativa é ao mesmo
tempo simples e complexa, e mostra uma habilidade singular [pois de difícil
construção, já que são cartas] e sutilmente revela-nos muito da literatura
japonesa, a narrativa das nuances, dos silêncios, dos espaços em branco, da
elegância.
O narrador é um escritor e nos conta, no início
do livro, sobre a carta que recebera de um desconhecido, de nome Josuke
Midori, a qual relata a emoção sentida ao ler seu poema intitulado “O fuzil de
caça”, publicado na revista O companheiro
do caçador, revista oficial do Clube dos Caçadores do Japão, poema este que
o teria inspirado a escrever-lhe, pois o poema falava dele mesmo, Josuke Midori. Na carta, Midori diz ter-se impressionado com a precisão com que o poeta o
descreveu não só fisicamente, mas até pareceu adivinhar o seu estado de
espírito quando vagueava “pela relva coberta de neve de uma reserva de caça em um vilarejo de fontes termais”. Alguns dias
depois, o narrador recebe outras três cartas, de três mulheres, e que provavelmente teriam
sido endereçadas a Josuke Midori. A beleza
deste pequeno livro está nisso: em uma composição sutil, as cartas enviadas pelo desconhecido
– o caçador – ao autor/narrador é que irão tecer a verdadeira história do livro
e dos personagens : um quadrângulo amoroso entre Josuke (o caçador), Midori, sua
esposa, Saiko, a mãe de Midori e o marido de Saiko.
O mais sublime no livro de Inoue é
que, num texto curto e nem um pouco rebuscado, as três cartas, em suas vozes
particulares, revelam-nos uma intrincada relação entre estes personagens,
embora não nos apresente tudo sobre eles, mas apenas aquilo que é possível
descrever numa carta. Na sequência em que as cartas são lidas revelam-se pequenas
surpresas, num quebra-cabeças que o leitor monta e experimenta aos poucos. Os interstícios da trama são apenas sugeridos
e é o leitor quem constrói a história a partir de fragmentos, sugestões. Este é
exatamente o charme sutil de Inoue: a ação é quase inexistente, pois são
memórias ou fatos contados no ritmo de uma carta íntima, familiar. E o que poderia ser apenas uma história banal
de amor e traição, aos poucos se desenrola numa densa narrativa sobre a solidão
humana, a solidão de cada um em suas próprias experiências, representada pela
imagem do solitário caçador e seu fusil, no ocaso de sua existência.
Um pequeno livro [tão
poucas páginas] que vale cada linha percorrida. Não é um livro de metáforas e
imagens elaboradas, mas da sutil linguagem seca e clara das cartas, com as
impressões de diferentes personagens que nos remetem a um mundo ao mesmo tempo
simples e denso, isso graças à maestria de construção de Inoue.