domingo, 23 de dezembro de 2018

Tempo


"O tique-taque de nossos relógios é tão grosseiro, tão mecanicamente contido que não temos ouvidos capazes de ouvir o tempo que passa." [Gaston Bachelard, A poética do Espaço]

A beleza floresce em tudo, na chuva breve, nas pedras calcinadas, no musgo do tempo, na deterioração entrópica, na morte. A vida, essa vida de elementos e sementes nos passa despercebida, contida, nos escapa na ponta dos dedos porque estamos ligados irremediavelmente ao tempo dos relógios, à marcação instituída, à pressa do dinheiro. Somos incapazes de ouvir o verdadeiro tempo que passa, se disfarçando em outonos e primaveras, decaindo triste e belamente na síntese que prenuncia a morte. Essa outra beleza, que negamos, por representar o fim. Fim? Não há fim no passar silencioso do tempo, nem no barulho ensurdecedor dessa catástrofe. Não sei de maior alegria que aceitar esse decaimento, que absorver o insólito clarão da manhã, no cinza de nuvens densas que roubam o azul como espelhos sujos, no dia que se perde em abandonos. Para ouvir o tempo é preciso que os sentidos se destoem e se percam naquilo que perece sem resposta.

Foto: LoboStudo, Hamburg/Unsplash.