"O
tique-taque de nossos relógios é tão grosseiro, tão mecanicamente contido que
não temos ouvidos capazes de ouvir o tempo que passa." [Gaston Bachelard,
A poética do Espaço]
A beleza
floresce em tudo, na chuva breve, nas pedras calcinadas, no musgo do tempo, na
deterioração entrópica, na morte. A vida, essa vida de elementos e sementes nos
passa despercebida, contida, nos escapa na ponta dos dedos porque estamos
ligados irremediavelmente ao tempo dos relógios, à marcação instituída, à
pressa do dinheiro. Somos incapazes de ouvir o verdadeiro tempo que passa, se
disfarçando em outonos e primaveras, decaindo triste e belamente na síntese que
prenuncia a morte. Essa outra beleza, que negamos, por representar o fim. Fim?
Não há fim no passar silencioso do tempo, nem no barulho ensurdecedor dessa
catástrofe. Não sei de maior alegria que aceitar esse decaimento, que absorver
o insólito clarão da manhã, no cinza de nuvens densas que roubam o azul como
espelhos sujos, no dia que se perde em abandonos. Para ouvir o tempo é preciso
que os sentidos se destoem e se percam naquilo que perece sem resposta.
Foto: LoboStudo, Hamburg/Unsplash.