segunda-feira, 29 de junho de 2020

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[Foto: Fabienne Lin, Flickr]



As palavras são sempre um alento na noite, madrugadas insones, delicadas formas que se vão emergindo do papel branco — fingindo-se negras companheiras — Sinto ondas de luz enquanto as mãos procuram as teclas, os movimentos excitam meus sentidos e esqueço esqueço, esqueço mesmo a miséria que me tira o sono, me rouba os sonhos e as belezas que posso viajar adormecida, esqueço a espuma em onda gigantesca engolindo as últimas preces para o mar fosforescente. Onde estaria agora, se nossos destinos não se bifurcassem tão radicalmente? Que importam esses delírios, se há mais verdades rondando a necessidade de imaginar e manter o mundo em ordem?  Diga, isso é possível? É possível esquecer na imagem aquática por um momento sequer que a noite não pode revelar por inteiro meus desejos?  A noite vem, fria e silente, e com ela não posso mais que sussurrar o inefável apelo dos meus dias e esperar que o astro rubro traga de volta o chão onde pousar a dor. Se pela manhã as sementes já germinaram, foi a aurora que trouxe um leve calor para o milagre brotar da terra. Curvo-me diante da natureza e do que nunca perece, pois é tão menor a minha dor.




sexta-feira, 26 de junho de 2020

Século para versos inúteis




Foto: TGWKE's



Ouça
no silêncio da tarde
ouça
pelo menos uma vez
ouça


há um coração que pulsa o canto de uma fonte de vida no crepúsculo dessas nuvens cinzentas


ouça
há vozes patéticas
repetindo a cantilena de séculos


ouça
há os que creem
há os que não creem
shhhhhh!
ouça
há uma batida um sopro um ar que se retira suspenso na órbita do dia


ouça
pelo menos uma vez
ouça


já lhe disseram que sou louca
enganam-se: estão errados
há séculos de flores e ervas pisoteadas em meu coração
tum tututum tum
ouça



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