[Foto: Fabienne Lin, Flickr]
As palavras são sempre um alento na noite, madrugadas
insones, delicadas formas que se vão emergindo do papel branco — fingindo-se
negras companheiras — Sinto ondas de luz enquanto as mãos procuram as teclas,
os movimentos excitam meus sentidos e esqueço esqueço, esqueço mesmo a miséria
que me tira o sono, me rouba os sonhos e as belezas que posso viajar
adormecida, esqueço a espuma em onda gigantesca engolindo as últimas preces
para o mar fosforescente. Onde estaria agora, se nossos destinos não se bifurcassem
tão radicalmente? Que importam esses delírios, se há mais verdades rondando a
necessidade de imaginar e manter o mundo em ordem? Diga, isso é possível? É possível esquecer na
imagem aquática por um momento sequer que a noite não pode revelar por inteiro
meus desejos? A noite vem, fria e silente, e com ela não posso mais que sussurrar o inefável apelo dos meus dias e
esperar que o astro rubro traga de volta o chão onde pousar a dor. Se pela
manhã as sementes já germinaram, foi a aurora que trouxe um leve calor para o
milagre brotar da terra. Curvo-me diante da natureza e do que nunca perece,
pois é tão menor a minha dor.