sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Vida

Foto: © Marc Ward, Air & Water, No. 31

A vaidade satisfeita curva-se
ante o espelho embaçado
falseada em sua condição de reflexo.

Não, não se pode reduzir ao derradeiro desejo,
seguindo caprichos, a vida
porque a vida não é expectativa vã
a vida é aquilo que nos destrói
pulsa e fere até o fundo
penetra e toca, como uma vertigem, o vazio
porque é vida.


sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Üsküdara


Sobre materialismo, individualismo, deterioração


As exigências materiais devoram as mais verdadeiras manifestações da vida. E nosso olhar ocidental-capitalista devora toda e qualquer concepção integral do mundo. Estamos mesmo perdidos, pois não sabemos sequer o que significam nossos próprios passos sobre a Terra, ocupados que estamos em acumular, possuir, desejar. Quando acordo de manhã e percebo essa verdade simples, sinto-me desamparada, não sei o que fazer com esse materialismo que me foi imposto, que me imprimiram como uma marca a fogo. Sem dúvida, ao perceber o equívoco [essa lucidez que torna tudo em torno mais tosco e desesperador] sinto-me impotente, pois há um imenso acúmulo de erros, desastres e destruição os quais é necessário evitar. Mas, irremediavelmente, a verdade é que a teia está tecida em trama tal que é difícil qualquer possibilidade de escape. Sinto-me sufocada pela verdade. Parece que estou à procura daquilo que não pode ser encontrável. E o pior é que me parece que, cedo ou tarde, não há como não estar destinada a colaborar, senão continuar, com toda essa mentira que nos cerca. Isso é triste. O real é medíocre. Recuso e nego essa possibilidade, mas sinto-me impotente porque vivo no que move essas engrenagens.

Não tenho mais tempo para dizer ou não dizer aquilo que não interessa. E não há ouvintes para meus códigos, já que não há como me comunicar com a realidade vigente. Mas estou disposta a romper. Romper com aquilo que creio ser prejudicial a outrem. Não posso absorver tanta mediocridade em silêncio. Começo por perguntar a cada um que casualmente encontro se é possível a contestação aos padrões e ideias que formam o nosso mundo hoje. Só há possibilidade de contestação se há mentes capazes de enxergar algo além da conformidade. Receio que essa seja, claramente, a dificuldade: não há quem não esteja em conformidade com a situação grotesca e assustadora que vivemos. Vivemos a realidade virtual imposta, fatidicamente por uma mídia virtual [ li em algum lugar uma metáfora perfeita: esse o fantasma que tudo quer... ]. Mesmo as questões mais relevantes em torno de uma contradição já está implicitamente deturpada por uma concepção conforme essa mesma situação.

Perguntam-me se não estou sendo simplista. Ou se não divago. Acredito, entretanto, que a liberdade é inseparável da consciência, e isso responde a tal questão. Olhando realisticamente em torno, pode-se perceber que não há ninguém consciente dessa situação, verdadeiramente consciente. Portanto não há liberdade. Portanto todos estão conforme a situação vigente. Como pudemos chegar a essa deterioração total da humanidade? Como pudemos deixar-nos seduzir por um materialismo que nos devora toda moral e nos desarmoniza ao ponto da não consciência?

Tão simples quanto entender a chuva que corre por caminhos abertos em trilhas no chão duro, ou quanto descrever o caminho brilhante que as lesmas deixam num muro tosco, vemos que o indivíduo tornou-se um instrumento das ideias e ambições dos outros, ou se tornou ele próprio um déspota que manipula as energias dos seus semelhantes sem se preocupar um só instante com os direitos do outro. Tornou-se o devorador-destruidor em potência, em nome de uma necessidade de poder e acumulação inócua sem nenhuma responsabilidade com o futuro comum, tornou-se inconsciente do seu papel social. E este indivíduo está de tal modo inserido no processo de recriação dessas engrenagens que é incapaz de perceber o real, tornando-se o repetidor, o cogestor daquilo que alimenta a máquina que ele próprio diz destruir. A merda toda está nessa ideia que convenceram a todos de que um mundo unipolar e hegemônico – iniciado com uma barbaridade a que chamam globalização – pode ser uma evolução no estágio humano. 

          Mas a verdade mais pura, mais verdadeira, já está explícita, é só abrir os olhos e ver. Nesse mundo globalizado, cresce dia a dia a incidência de arbítrio e de violência, surgem agressões de toda espécie, instabilidade, crises de toda natureza, deterioração física e política e cultural dos países, crescem as tensões, a recessão econômica e a estagnação, a concentração de poder estabelece-se por uma atitude de cerceamento da liberdade e terrorismo psicológico, e no campo social nem é preciso comentar a instabilidade financeira replicando-se, o agravo da pobreza, o desemprego em massa, a xenofobia, a expansão da influência do crime organizado, do narcotráfico e da corrupção. Em todas as nações do Planeta evidencia-se tal deterioração. Nós, países da América do Sul, por exemplo, vemos aumentadas as populações urbanas marginalizadas e a violência, apenas evidenciando as disparidades sociais.

E então? Diria que essas palavras já estão esgotadas, que muitos denunciam essa mesma verdade absurda. E então? E então nada acontece? E então, ainda que sejam discutidas à exaustão, nada muda? Posso parecer simplista, e devo admitir que há projetos sinceros que são discutidos, colocados em prática e podem realmente ir na direção contrária dessa deterioração. Não posso ser injusta e reduzir tudo ao mesmo problema. Mas mesmo diante desses projetos e essas iniciativas que tentam, na contramão, frear essa deterioração ou mesmo criar recursos para criar algo bom, a grande maioria da população cai na armadilha da conformidade, do individualismo cego e destruidor, replicam o pior discurso, validam a expansão do mal, tornam-se pequenos corruptores e corruptos em nome de uma insana forma de acumulação, desejo, posse. E então? E então essas são apenas algumas questões para fazer cada um pensar em sua própria relação com seus desejos de acumulação e status. Não tenho respostas para nada. Apenas coloco as questões, nada mais. A mim, são importantes, pois preciso encontrar uma forma de escape, de negar tudo isso, pois há um imenso acúmulo de erros, desastres e destruição os quais é necessário evitar. E isso só pode começar em cada um.