As exigências materiais devoram
as mais verdadeiras manifestações da vida. E nosso olhar ocidental-capitalista
devora toda e qualquer concepção integral do mundo. Estamos mesmo perdidos,
pois não sabemos sequer o que significam nossos próprios passos sobre a Terra,
ocupados que estamos em acumular, possuir, desejar. Quando acordo de manhã e
percebo essa verdade simples, sinto-me desamparada, não sei o que fazer com esse
materialismo que me foi imposto, que me imprimiram como uma marca a fogo. Sem
dúvida, ao perceber o equívoco [essa lucidez que torna tudo em torno mais tosco
e desesperador] sinto-me impotente, pois há um imenso acúmulo de erros,
desastres e destruição os quais é necessário evitar. Mas, irremediavelmente, a
verdade é que a teia está tecida em trama tal que é difícil qualquer
possibilidade de escape. Sinto-me sufocada pela verdade. Parece que estou à
procura daquilo que não pode ser encontrável. E o pior é que me parece que,
cedo ou tarde, não há como não estar destinada a colaborar, senão continuar,
com toda essa mentira que nos cerca. Isso é triste. O real é medíocre. Recuso e
nego essa possibilidade, mas sinto-me impotente porque vivo no que move essas
engrenagens.
Não tenho mais tempo para dizer
ou não dizer aquilo que não interessa. E não há ouvintes para meus códigos, já
que não há como me comunicar com a realidade vigente. Mas estou disposta a
romper. Romper com aquilo que creio ser prejudicial a outrem. Não posso
absorver tanta mediocridade em silêncio. Começo por perguntar a cada um que
casualmente encontro se é possível a contestação aos padrões e ideias que
formam o nosso mundo hoje. Só há possibilidade de contestação se há mentes
capazes de enxergar algo além da conformidade. Receio que essa seja,
claramente, a dificuldade: não há quem não esteja em conformidade com a
situação grotesca e assustadora que vivemos. Vivemos a realidade virtual
imposta, fatidicamente por uma mídia virtual [ li em algum lugar uma metáfora
perfeita: esse o fantasma que tudo quer...
]. Mesmo as questões mais relevantes em torno de uma contradição já está
implicitamente deturpada por uma concepção conforme
essa mesma situação.
Perguntam-me se não estou sendo
simplista. Ou se não divago. Acredito, entretanto, que a liberdade é
inseparável da consciência, e isso responde a tal questão. Olhando realisticamente
em torno, pode-se perceber que não há ninguém consciente dessa situação,
verdadeiramente consciente. Portanto não
há liberdade. Portanto todos estão conforme
a situação vigente. Como pudemos chegar a essa deterioração total da
humanidade? Como pudemos deixar-nos seduzir por um materialismo que nos devora
toda moral e nos desarmoniza ao ponto da não consciência?
Tão simples quanto entender a
chuva que corre por caminhos abertos em trilhas no chão duro, ou quanto
descrever o caminho brilhante que as lesmas deixam num muro tosco, vemos que o
indivíduo tornou-se um instrumento das ideias e ambições dos outros, ou se
tornou ele próprio um déspota que manipula as energias dos seus semelhantes sem
se preocupar um só instante com os direitos do outro. Tornou-se o
devorador-destruidor em potência, em nome de uma necessidade de poder e
acumulação inócua sem nenhuma responsabilidade com o futuro comum, tornou-se
inconsciente do seu papel social. E este indivíduo está de tal modo inserido no
processo de recriação dessas engrenagens que é incapaz de perceber o real,
tornando-se o repetidor, o cogestor daquilo que alimenta a máquina que ele
próprio diz destruir. A merda toda está nessa ideia que convenceram a todos de
que um mundo unipolar e hegemônico – iniciado com uma barbaridade a que chamam
globalização – pode ser uma evolução
no estágio humano.
Mas a verdade mais pura, mais verdadeira, já está explícita,
é só abrir os olhos e ver. Nesse mundo globalizado, cresce dia a dia a incidência de arbítrio e de
violência, surgem agressões de toda espécie, instabilidade, crises de toda
natureza, deterioração física e política e cultural dos países, crescem as
tensões, a recessão econômica e a estagnação, a concentração de poder
estabelece-se por uma atitude de cerceamento da liberdade e terrorismo
psicológico, e no campo social nem é preciso comentar a instabilidade
financeira replicando-se, o agravo da pobreza, o desemprego em massa, a
xenofobia, a expansão da influência do crime organizado, do narcotráfico e da
corrupção. Em todas as nações do Planeta evidencia-se tal deterioração. Nós,
países da América do Sul, por exemplo, vemos aumentadas as populações urbanas
marginalizadas e a violência, apenas evidenciando as disparidades sociais.
E então? Diria que essas palavras
já estão esgotadas, que muitos denunciam essa mesma verdade absurda. E então? E
então nada acontece? E então, ainda que sejam discutidas à exaustão, nada muda?
Posso parecer simplista, e devo admitir que há projetos sinceros que são
discutidos, colocados em prática e podem realmente ir na direção contrária
dessa deterioração. Não posso ser injusta e reduzir tudo ao mesmo problema. Mas
mesmo diante desses projetos e essas iniciativas que tentam, na contramão,
frear essa deterioração ou mesmo criar recursos para criar algo bom, a grande
maioria da população cai na armadilha da conformidade, do individualismo cego e
destruidor, replicam o pior discurso, validam a expansão do mal, tornam-se
pequenos corruptores e corruptos em nome de uma insana forma de acumulação,
desejo, posse. E então? E então essas são apenas algumas questões para fazer
cada um pensar em sua própria relação com seus desejos de acumulação e status.
Não tenho respostas para nada. Apenas coloco as questões, nada mais. A mim, são
importantes, pois preciso encontrar uma forma de escape, de negar tudo isso, pois
há um imenso acúmulo de erros, desastres e destruição os quais é necessário
evitar. E isso só pode começar em cada um.