quinta-feira, 5 de junho de 2014

Em Louvor da Sombra II

Casa Fujimoto

Volto ao singelo e lindo livro de Tanizaki, porque é essencial.  E porque, de maneira poética e simples, penetramos na sutileza de seu mundo e sua simplicidade, para entender seu título: Em Louvor da Sombra.

Em todo o livro, no qual nos envolve em suas reflexões quando decidiu construir uma nova casa, Tanizaki nos expõe sua sensibilidade e gosto estético. O aspecto da iluminação de ambientes é a essência do texto, e a sombra permeia todas as descrições estéticas : a sombra é elemento indispensável à beleza dos aposentos, dos ambientes e dos utensílios laqueados, que se tornam  um prazer à mesa oriental.  Segundo Tanizaki, as caixinhas, as mesas de apoio e as prateleiras de laca perdem sua beleza e provocam uma perturbadora sensação de espalhafato e de vulgaridade se apreciadas à luz clara.  Perdem sua essência tipicamente oriental. Mas, ao contrário, se for acrescentada a sombra aos aposentos, e o ambiente for iluminado apenas por uma luz mortiça ou a luz de velas, “o espalhafato submergirá e dará lugar a uma sóbria suntuosidade, a beleza e o esplêndido padrão que ocultam suas cores”.

"A tênue luminosidade proveniente de luz cambiante compõe a beleza da laca". Neste ponto Tanizaki também nos revela a diferença entre a porcelana (ocidental), sua tonalidade, sua sonoridade estridente, em contraponto à beleza das tijelas de madeira revestidas com laca negra da cozinha japonesa.  Segundo ele, as sensações provocadas por estas sombrias tijelas são indescritíveis [como uma revelação mística, zen] e estão associadas ao prazer da culinária, do sabor, e não se comparam à sopa servida num prato raso à maneira ocidental.  Tanizaki expõe que “a tônica de sombra também está presente na culinária” e que “com esta mantém uma relação indissociável”.  As sombras da laca “harmonizam-se às trevas e ao colorido dos alimentos servidos”.

Desde os antepassados, os orientais cultivam a sombra no cotidiano, de forma a favorecer o belo.  Os ambientes, muitas vezes nos clássicos padrões da arquitetura japonesa, são desprovidos de itens decorativos, embora estejam envoltos no enigma das sombras. Mesmo hoje, com a moderna arquitetura e com as possibilidades de mesclar materiais para favorecer o acabamento e a praticidade, há a valorização do elemento sombra. Tanizaki conta-nos que são construídas varandas para afastar o sol dos ambientes, e as janelas [zashiki] “são estrategicamente posicionadas de forma a deixar a luz penetrar os ambientes sem feri-los, infiltrando-se vagamente no interior dos aposentos”. 

Assim, o elemento primordial dos aposentos japoneses é simplesmente a dúbia luz indireta, e Tanizaki descreve-nos que a luz espalha-se com tocante serenidade, com uma “claridade baça”, a qual pode ser reforçada pela cor das paredes e por finas camadas de areia colorida. Mesmo que a tonalidade varie de acordo com o aposento, prefere-se usar uma única cor nas paredes, para valorizar a serenidade e a sombra.

Outra sutileza do livro está em perceber como se criam os ambientes usando-se elementos sutis de decoração para valorizar a beleza de forma discreta, por exemplo, os rolos e arranjos florais [usados desde a antiguidade como fatores de elegância e requinte]. Os nichos sombrios realçam ainda mais o valor desses acessórios, da pintura e da caligrafia [também elemento de refinamento], compondo um conjunto harmônico com as sombras.

O livro foi escrito em 1933, e é como se tivesse sido escrito hoje. A beleza do texto está exatamente na narração de como se pode admirar a capacidade dos japoneses de compreender o mistério das sombras e usar o claro-escuro com delicadeza e engenho. As sombras criadas nas “reentrâncias” do aposento criam “a impressão de agudo silêncio, solidão imutável e eterna”, a quietude que caracteriza as sombras japonesas. Tanizaki também fala de teatro, vestuário, e da beleza de sombras feminina.... mas isso fica para outro post. 


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