sexta-feira, 18 de abril de 2014

Anotação para Ophiucus

A racionalidade empurra-me em direção ao real
mas o canto da noite [sob o céu desse abril]
soa como uma cítara triste

vejo pousar no invisível ser do mundo
a individualidade inerte
o espírito do silêncio
o ideal que não pode ser realizado
a realidade impenetrável :

se há forma humana nas dimensões espaciais
é porque o espírito que habita o sensível
rasga o véu do silêncio supremo
e a natureza exterior 
manifesta-se nos limites da alma [como um outro]
a intervalos regulares.

[Foto: Charlotte Spetalen]


segunda-feira, 14 de abril de 2014

Em louvor da Sombra

Um belo livro de cabeceira : nele, Junichiro Tanizaki poeticamente descreve elementos sobre iluminação e harmonização de ambientes, a preferência dos orientais pela sombra, pelo escuro e a sobriedade. Neste livro singelo, simples, mas profundo, entendemos porque as instalações japonesas, tanto nas edificações tradicionais ou nas mais modernas transformam-se em ambientes tranquilizadores, harmônicos e nos dão a sensação de comodidade e relaxamento... isso acontece pelo acréscimo de um elemento:  a sombra.

A narrativa sutil e simples de Tanizaki realça o modo de pensar, o gosto e mesmo a literatura e a arte japonesas. Tanizaki defende as tradições e a sensibilidade orientais e esboça uma explicação para o fato de os orientais repelirem os objetos cintilantes ou sempre renovados pelo polimento, característica da civilização ocidental. Os japoneses têm especial apreço pelas marcas deixadas pelo tempo, pelo “embaçamento” natural que o tempo imprime nos objetos, desde a madeira até o cobre ou a prata e o ferro, assim como os chineses.

Tanizaki nos mostra que o sóbrio tom envelhecido dos materiais é o aspecto delicado apreciado por chineses e japoneses. Um exemplo é o estanho, metal leve, brilhante e delgado, que nas mãos dos chineses se transforma “em algo profundo, sombrio e imponente, muito semelhante à tradicional cerâmica japonesa shudei, de coloração castanho avermelhada.” Outro exemplo é a apreciação pela luz mortiça do jade, que se assemelha à atmosfera concentrada de centenas de anos.


A passagem do tempo, gravada nos materiais é escrita como “a sujeira acumulada”, e Tanizaki a expressa da mesma maneira que a preferência por ambientes frios : assim como “o frio estimula a estesia”, a “sujeira estimula a estesia”. Segundo Tanizaki as coisas que os orientais apreciam como belas e requintadas têm uma “parcela de sujeira e desasseio”, pois eles valorizam as marcas de manipulação, a fuligem, a chuva e o vento, pois estes são elementos que “tranquilizam a alma, proporcionam serenidade”.

Um livro essencial, para pensarmos nossa forma ocidental de lidar com os objetos, a matéria : o absurdo peso da velocidade com que descartamos as coisas e tornamos o mundo uma montanha de “lixo”, aquilo que para nós é inútil porque perdeu o brilho, saiu de moda, que desprezamos porque apresentou as marcas do tempo. Não é apenas um livro sobre a estética do olhar, da sombra e a arquitetura japonesas, mas um livro imprescindível para refletir sobre a durabilidade, o tempo, o olhar o mundo.