quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Ode a Dylan Thomas


Como em seus versos, a ausência fere o céu  
  
tão hostil quanto o silêncio das pedras nos crepúsculos dessa tarde
abrigo-me em cada linha dos seus cantos de amor e de ruína
e, ofegante ainda
corro contra o tempo para tocar o futuro
quando todos os meus sentidos então se desgarrarem,
e a carne não mais me suportar,
ainda assim escutarei seus versos.

Ergo-me nessa cidade construída do espanto,
sem hera e sem esquinas, sem becos e sem passado,
cidade que jamais pode abrigar meus sonhos   
o mundo inteiro silenciado, os olhos, mãos e voz
como se o tempo parado irrompesse em mudas fúrias:
e muito, muito depois, depois de conhecer a graça,
o estupor, a couraça, a dilaceração e a lascívia,
ainda assim devorarei seus versos.

Nessa noite e em cada noite
muito depois de meus dedos percorrerem o caminho das palavras,
rompendo o peso da sombra invisível através dos muros, 
a portas cerradas, nas breves folhas trêmulas
de passos que se afastam e se aproximam
suaves, como o silêncio das estrelas
e as cigarras suicidas que da tosca terra vêm,
  ainda assim sussurrarei seus versos.



terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Escolhas

Lady Godiva, de John Collier

Alguém perguntou-me por que demoro a escrever no blog e porque sempre escolho artistas e escritores “de elite” como objeto. Disse que eu deveria ampliar meu escopo e falar de artistas “mais populares, como Romero Brito, por exemplo”. Segundo ele “ninguém irá ler meus escritos que têm o ar da superioridade acadêmica”. Também censurou-me  por eu “separar o que é arte e o que não é arte”. Então resolvi escrever um pouquinho sobre algumas das coisas que ele citou, mas de início deixo claras duas coisas: 1. não tenho pretensões acadêmicas simplesmente porque não sou uma, e 2. eu escrevo sobre o que me toca e pode ser interessante para outras pessoas pesquisarem e estudarem e não tenho pretensões de atingir um grande público, pois esse blog é apenas uma diversão.

Em minha opinião, os pensamentos são o mistério mais lindo que há. Muito cedo tive consciência dos mistérios — demasiado cedo até — e percebi a usurpação falsificada que o espírito humano faz da realidade e da sua relação com a realidade. Sempre fui estranha, alheia ao mundo, e contraditoriamente, talvez, até demasiado apegada e subserviente a ele. Mas a existência material das coisas nunca foi o único bem que aprendi a reconhecer. Fiz um caminho árduo para entender muitas coisas [especialmente aquelas que me exigiam coerência demais]. Mesmo depois de tocar as coisas, aprendi que a matéria não existe — embora eu nunca saberei explicar de onde vem o peso e a gravidade que nos empurra para baixo, vergando a leveza pueril do éter, ou porque podemos tocar o corpo e as coisas em volta. Mas mesmo assim, sem conseguir dizer da verdade, talvez, eu me tenha aprofundado na fragmentação que experimento dos mistérios mais do que as pessoas que vêm me dizer verdades tantas. Eu tive [e tenho] que ler duramente, e já quebrei a cabeça com muitos autores. Penetrei em muitas ideias e teorias e não sei nada. Tenho sempre que recomeçar. Desse percurso e dos tropeços e obstáculos, fui escalando uma profusão de temas, teorias e estéticas e acabei por me tornar uma pessoa “seletiva”, digamos.

Observo pessoas. Observo o mundo. Observo o invisível [se assim posso nomear]. Mas é engraçado que, desde sempre, o que mais me atrai onde quer que eu olhe, é a Beleza que brota dos artistas. Escolho aqueles que me tocam, ensinam e me enlevam, me jogam na fogueira ou me levam à contemplação e ao Belo. E, sim, creio que uns são geniais e outros fakes. O mistério torna-se mais e mais mistério quanto mais eu tento penetrá-lo. Pode parecer arrogante o fato de definir entre o que seja arte verdadeira e arte fake. Talvez. Mas não consigo fugir a isso. O amigo diz que é porque fui “escolada numa estética que se acha dona da verdade”. Eu ri, mas não julgo sua opinião, pois ele considera qualquer coisa válida, qualquer tentativa é arte. Não tenho a capacidade de apreciação que ele possui.

Considero que há muita arte ruim, ou que se chama de arte e não é arte. Simplesmente porque alguns "artistas" são impelidos à artificialidade de uma ostentação pretensiosa da arte, fazem-na como um simples gesto arbitrário da vida sem qualquer fé naquilo que fazem. Ou fazem por dinheiro, simplesmente. Assim, aplicam sua liberdade de escolha, a escolha casual, aleatória, e fazem uso da imaginação limitada e fechada sobre si, e caem em uma falsificação do poder pela simples arrogância de um direito [o direito de se chamarem artistas e donos do dom da arte] que não possuem — e cujos verdadeiros criadores nunca julgaram possuir — o que serve de máscara dissimulada do seu falso dom.

Creio também que a vaidade destrói parte da essência que pode existir em qualquer gesto. A criação como exigência, a criação como busca de status, de espaço ou de dinheiro e que explode de repente, gerada pela simples exigência de se produzir qualquer coisa, parece-me apenas ensimesmamento. O resultado são obras que não ultrapassam a expectativa e o limite duma vaidade autocomplacente, de um ideal que se torna um prazer imediato e efêmero, não importa por que meios sustentado ou alcançado. Do meu lado, escolho falar sobre aqueles [nas artes plásticas, na música, na literatura etc] que têm a arte como um ofício necessário de criação, de trabalho árduo, de pesquisa, do aprofundamento de um talento e mais que isso: de vida, de morte. Enfim [e porque esse post está ficando muito longo], pretendo apenas falar de Beleza, não escolhi um discurso recheado de academicismos para escrever aqui, e essa não é minha intenção. Menos ainda doutrinar.