quinta-feira, 27 de março de 2014

A purificação das paixões

Alguns livros nos fazem melhores porque encantam com o que é absolutamente novo, desconhecido. Outros, porque desconstroem nossa forma rígida de pensar, criando uma fissura capaz de nos levar de volta ao abismo da dúvida, do espanto, da excitação.  Depois de muito tempo, considero estes últimos os mais belos e essenciais.

Bouguereau, "Dante et Virgile au Enfers", 1850.

Nos Cursos de Estética, Hegel diz-nos que “a finalidade da arte está em trazer ao nosso sentido tudo o que possui um lugar no espírito humano. Ela deve usar da riqueza de conteúdo do interior humano e, por meio dela, completar a experiência natural de nossa existência exterior. Ela deve excitar paixões, de maneira que as experiências da vida não nos deixem insensíveis e então possamos alcançar a predisposição para todos os fenômenos”. Mas essa excitação não se dá pela experiência efetiva, e sim apenas por sua aparência, uma vez que a arte coloca ilusoriamente suas produções no lugar da efetividade. Assim, o homem deve exercer o seu poder de representação e intuição através da arte, podendo, inclusive, representar coisas que não são efetivas como se o fossem. A arte deve nos afligir e alegrar, nos comover e abalar.

Hegel  também diz que “a arte deve superar a brutalidade, domar os impulsos, as inclinações e paixões”. A paixão pode apoderar-se do homem, quando este  afirma: “A paixão é mais forte do que eu”. A arte suaviza essa brutalidade pois coloca o homem perante o que ele sente e faz em tal estado singular de paixão. Pela arte o homem toma consciência do que ele é imediatamente, percebendo seus impulsos e inclinações como exteriores a si. Estando esses impulsos objetivamente à sua frente, ele já começa a se libertar deles. Dessa maneira, é um alívio expressar o interior em palavras, imagens, sons e formas. O homem pode, por meio da arte, livrar-se do aprisionamento de um sentimento e se tornar consciente dele como algo que lhe é exterior, com o qual ele apenas deve relacionar-se de modo ideal. A arte coloca o homem fora da prisão da natureza, fazendo-o se deparar consigo mesmo como ser único e vivente, expressivo, sensível. Segundo Hegel, a arte, portanto, também tem como sua finalidade essencial a purificação das paixões, a instrução e o aperfeiçoamento moral.


terça-feira, 25 de março de 2014

Menk kaj tohmi





Constelações

John Swope , Chile 1939

Saint-Pol Roux, o poeta, o velho Druida. Porque sou Solar. E ele é Solar. Aprendi Francês por causa de um físico. Um escorregadio físico, silencioso, taciturno, mas que era uma das poucas pessoas neste planeta capaz de me compreender e me amar. Porque eu queria descobrir a imensidade do céu e compreendê-lo. Por que queria ver o mar azul ao seu lado [em qualquer lugar da França onde o mar silencia] e falar das profundezes negras em que nos lançamos. E acabei por dar no profundo rio de Saint-Pol. Não foi um acaso. Não foi nenhum acaso. Aprendi outras estrelas, outras constelações. Poesia que caiu sobre mim como um meteoro dilacerante. Com a beleza que pode ser essa morte. Meu físico desapareceu... junto com as estrelas, o amor possível ou impossível e tudo o mais. Fiquei só [mas ficou Saint-Pol]. Até o dia final. Até a última letra do meu alfabeto.



sábado, 8 de março de 2014

Simulacros

Foto: Wyatt McCollum
Olhos abertos,
passos austeros
e esquecimentos
vejo pessoas passarem
com seus silêncios e dores e enganos tantos.

De extremo a extremo
as alegrias   se ousam
está sempre nas regiões do cárcere :
ali, onde o ser faminto desespera em sentidos
por não suportar o efêmero.

Mas, na chuva breve,
o sol subitamente se disfarça em outono
 não sei de maior alegria
que este decaimento silencioso e triste
a nos lembrar de tocar com as pontas dos dedos a vida,
essa vida de elementos e sementes
que em síntese prenuncia a morte.

Em toda parte  até no musgo do tempo
ou na deterioração entrópica 
a Beleza floresce.

Por que nos negamos a apreciar o fim?