Vincent van Gogh, Ramos de flor-de-amêndoa, San Rémy, 1890
É
preciso ser mais que o excesso do mundo, é preciso ser mais que o prazer
absorto, é preciso mirar outros olhos, palpáveis, líquidos, mudos, quietos como
se a dizer “jamais
entenderei seus versos”, é preciso atirar a pedra de uma palavra que
soe como música ardente, como o voo de timbres gastos e surdos, replicantes como gravetos
imóveis no tempo, roucos e ásperos de um dia terem respirado o ar da manhã, é
preciso que a lua morra no horizonte, menos brilhante que os seus olhos de
noites encobertas, olhos de soleiras vazias e portas entreabertas, olhos de
jasmins azuis, olhos de cão no duro inverno de eclipses invisíveis e fantasias
polares alucinadas, é preciso não ausentar-se dos versos – estar imóvel no
tempo como a dor humana que se crispa ao vento cortante de amores delirantes, é
preciso não fazer poemas para o espelho, é preciso romper as barreiras e tocar
o eterno : não há música que penetre esse olhar : um poema não flutua sobre o
mar, pois nada deve significar.
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