quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Ainda sobre a Beleza



                                                   Bernini, detalhe. O êxtase de Santa Theresa.


Continuo a refletir sobre a forma como vivemos hoje. Sobre a Beleza que morre aos poucos. E sobre o fato de tudo transformar-se em algo comercializável. Lucrativo. Empreendedor. [Palavras feias]. Reflito sobre o que interessa e o que não interessa às pessoas hoje em dia. Ou seja, será que apenas revelar o que se pensa de algo ainda interessa a alguém? É excitante? Não, não é. E a maioria das pessoas vive num mundo fictício, diga-se virtual, em que as outras vidas parecem sempre mais interessantes e excitantes que a própria vida. Passa-se a viver essas outras vidas, esperar pelo que façam, pelo que representam, por seus desejos e realizações, esquecendo-se de viver a própria. Não é assim que funciona? Abre-se o jornal, a revista, liga-se a TV, pluga-se a uma tela, ao celular, ao twitter, ao facebook, e lá está estampada a outra vida: a vida fake, a vida que se quer mostrar, mas nem sempre é a própria vida, ou pior: a vida de atores, artistas, políticos, personalidades, famosos uns e nem tão famosos assim outros....

E tudo se mistura ao reality show que se tornou o cotidiano, permeado pelo fútil, pelo prazer imediato e por sexo, pelas desgraças, por escândalos e guerras, catástrofes e corrupção e muito pouco além disso. Nem se sabe onde começa e onde termina a fantasia, a realidade, a encenação, a ficção. E chegamos ao ponto de as pessoas gostarem de viver essa falsa vida. E tudo é permitido. Válido. Deixa-se de viver com as amigos para se viver nas telas. Deixa-se de fazer algo pelo outro, para publicar um post sobre fazer algo pelo outro.

Lembro-me das palavras do Guilherme Scalzilli*, do qual aproprio algumas ideias contidas em belo artigo que escreveu. “O pior efeito colateral da onipresença desse tudo válido é a passividade das pessoas”. Não podemos esquecer que estamos numa sociedade de consumo que radicalizou ao extremo sua atuação e o consumo desenfreado impregnou-se tanto em todos os meios existentes que tudo parece nos acenar como propaganda. Nesse tudo válido, a propaganda assume seu papel condescendente: tudo pode aquele que tudo crê na sociedade de consumo.

“... tudo é história, tudo é física, tudo é moda: o estatuto universal da atividade depende da predisposição corporativa do observador. Tal simplificação, de evidente teor totalitário, pressupõe condicionantes publicitárias nos ambientes mais íntimos, como se fôssemos irresistivelmente dominados por forças exógenas, talvez imperceptíveis e alheias à nossa vontade. Tudo é manipulação”. [*Scalzilli, Guilherme]

E a Arte não está num plano superior, sofre do mesmo mal: a manipulação do imaginário.

Diante dessa verdade, alguns ainda permanecem perplexos — como eu — e outros tentam decifrar toda confusão, tentando tirar algo proveitoso das mudanças. Mas, ao observarmos com certo distanciamento, parecemos todos personagens possuídos por uma esquizofrenia coletiva, uma loucura absurda e estranha, vivendo um mundo desarticulado, fragmentado, no qual se misturam real e ficção numa junção assombrosa e na qual as relações de consumo deixam de ser escolha entre alternativas possíveis, e passam a ser um processo de valores intrínsecos, e quem consome passa a ser apenas um alienado que consome sem critérios, apenas “embalado” pela benevolência capitalista. E não há nenhuma Beleza nisso. "No campo da comunicação e informação, as imagens [sejam verdadeiras ou fictícias] e as afirmações [sejam reais ou manipuladas] adentram o terreno do real, verdades e mentiras são transformadas em dados que se espalham rapidamente como um vírus, uma praga, um câncer cerebral."

Essa é uma experiência incomum, é certo. Mas não é Bela. É o horror sem fundamento. É a desarticulação de toda forma de narrativa e poesia, é a ordem abismal do imediatismo inócuo, sem precedentes na história humana. E, infelizmente, é o nosso momento. Se ainda esperamos encontrar a expressão do mundo como imaginação e impulso vital, transmutados em um poder e uma criação, devemos ser capazes de recusar essa ordem vigente, de rechaçá-la, negá-la para que possa surgir uma brecha, uma fissura por onde irrompa a essência, a verdade. E, quem sabe, a Beleza.


 
 

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