sábado, 23 de janeiro de 2021

Breves reflexões numa manhã de outubro de 2020, o ano em que a Terra parou


Enganam-se todos ao afirmarem que a Morte é antítese da Vida. Nada mais errôneo, ou simplesmente inocente. A vida nada mais é que o desenrolar da Morte na esfera do mundo Físico, e a humanos é dado o dom de senti-la lentamente, pausadamente: é uma dádiva, para que a si se perceba, num processo único, como num filme em câmara lenta. A partir do momento que inspiramos uma primeira vez, estamos no território da Morte e é ela que nos faz crescer, inflar, sentir e modificar-nos neste mundo Físico, num jogo de luzes ou sombras, de solenidade ou vulgaridade, de razão ou ira, de satisfação ou penas, de criação ou destruição. No meio de sua jornada de Morte, o homem cria mecanismos para negar a verdade, para iludir-se, para tornar outra a realidade, para potencializar seus defeitos e vícios de percepção, e cria até a necessidade de espelhar-se, justificar-se ou submeter-se ao que ele próprio denomina o Deus Supremo. O que Cria, o Criador.

Todas as coisas nascem e morrem, mas é no contínuo do que decai que a Vida se dá, desde o início, desde a mais tenra maciez de uma pele infantil, de um suspiro de sentidos, de uma alegria impetuosa. É como uma flor que desabrocha, e em poucos dias murcha e desaparece num ato de Criação da Natureza. Pense melhor sobre cada ato seu: desde que você ordena seu pensamento e começa a perceber o mundo, quando passa a refletir sobre ele, você sabe que o Sol e os astros seguem seu curso continuamente [eternamente, se comparados a um breve sopro de vida humana], todas as coisas pequenas ao redor, no mundo palpável, vão mudando, girando, passando, se transformando mas, inexoravelmente, sempre caindo na fatalidade de morrer e desaparecer. Tudo vêm à existência, desabrocha, decai e morre. A Vida, pois, nada mais é que a queda no espaço-tempo da Morte. E isso é mesmo lindo, como será lindo se houver outras formas de espaço-tempo percebíveis, e completamente diversas. A antítese da Morte não é a Vida, nem é a Morte a antítese da Vida. A antítese de ambas é o não existir, pois se não existe, não pode nem Viver e nem Morrer. 

Não seria o homem mais feliz se compreendesse isso? Se pensasse que está apenas a Morrer e deve aproveitar cada instante dessa perfeita e única conexão Física com o Universo? Talvez, mais que perceber-se como alma [ou espírito, ou sentido, ou existência: não importa a palavra], perceber sua potência e relação com o que ele chama de Criador, se o homem percebesse desde o início a sua finitude e sua lenta existência de Morte e aniquilação [até o desaparecimento Físico], se o percebesse, quem sabe ele fosse capaz de respeitar o outro, de não querer mudar o curso das coisas, de não destruir, não matar, não explorar, não apropriar-se e não absorver o que não é seu? Se percebesse que poderia Viver entre Todos e Tudo, aprendendo, crescendo, dividindo, compartilhando, Criando... até que, por fim, extinguisse sua Morte-Vida? Não se tornaria ele um Deus? 




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