Para começar um amor não é
preciso mais que matar. Você virá esta tarde, colocará suas doces mãos sobre
meus joelhos e diremos palavras etéreas, que não nos comprometam, que sejam
dissipadas na medida exata do nosso gesto. E riremos. E silenciaremos. E nada
mais.
Eu não entendo porque você vem. Nunca
entenderei. Apenas o aceito, como aceitei todos os outros antes de você. Meus
olhos veem distante demais para te perder, meus olhos cegam demais ao calor da
luz que define seus contornos, meus olhos que não veem sua música, o toque
elétrico na ressonância da corda tensa e do abismo. Meus olhos veem assustados a
imensidão azul. Meus olhos que vertem
lágrimas que nunca mais terão sal, porque escolhi o caminho inverso do amor.
Minhas águas purificadas, águas que não se tornam lodosas nunca, porque assim
espero para ver suas mãos transparentes a afundarem imaculadas até o fundo,
meus olhos que vertem águas para te fazer viver enquanto morro a cada segundo,
a cada grão de areia perdido para sempre no buraco da ampulheta, a cada passo
em direção ao fundo, a cada palmo conquistado em mim por suas mãos, a cada
queda no abismo.
Olho-o nos olhos: estás cego. Por
que não enxergas que a pureza que te ofereço é consumida por sua voracidade e
seu desejo vãos? Acaso não seria belo se
me devolvesses o olhar na mesma medida das águas transparentes que verto para
dentro de ti? Seu gesto me responde como um pesado machado: depois de tudo,
saciado, você voltará para seu território e nem um sopro poderá lembrá-lo que
te cantei as águas mais puras do meu ser. Meu coração para. Estou repleta de
morte. Morte natural que aceito sem tremores, para enfim perder-me de amor se
voltares, um dia.
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