terça-feira, 4 de janeiro de 2022

drop

 

                                                                     Foto: Yasmina Aloui

ar rarefeito, órbita e tumba, a fusão das pessoas num mundo árido, o sangue espesso. Todos todos e todos os esquecimentos amontoados uns sobre os outros: visão do paraíso perdido, o homem teme o mundo em movimento perpétuo e esquece de si, síncope e redução. Tolices. Olho você no meio de tudo, a verdadeira vida ausente; materialismo e desespero mudo, ou hedonismo e egoísmo vãos? Um abismo há entre todos. E entre nós, too. E todas essas pessoas, correndo loucas, pensam que estão protegidos de si mesmas? Apenas por que não suportam a intensidade da solidão? Vivem de pequenas enganações para amenizar as inúmeras infelicidades de suas vidas e não veem a discrepância entre o que pensam e o que fazem? No mais entregam-se a prazeres estranhos: falar falar comer, acumular. Tudo é tão frágil assim? Pergunto-me assombrada, enquanto a hora final vai caindo lenta e silenciosamente sobre todos os vivos e todos os mortos.

Não mais, não mais, não volta mais! Amor longínquo, nunca mais! Deliro acordada. A voz atravessa as frestas sussurrante, nunca mais. O silêncio cai, escuro, e se quase foi enfim amor, o teu, não me olhe assim com esses olhos famintos; o silêncio não trai. OU trai sempre, não sei. Brutalmente vêm teus olhos, não te cansa? Do amor sim, a incerteza ausente, e nunca esqueci os caminhos desse labirinto. Devo mergulhar nas águas do Letes? Já não suporto mais, o que quer de mim, amor? Quer a fome, quer melodias outras? Quer o áspero devorar e enfim ir-se sem castigo? Meu coração, outro, zomba esquivo dessa insensatez, porque amor, nenhum alento, É, apenas.

Olho as pessoas, parecem-me estranhas. Ou sou eu que perdi o juízo? Enquanto ando por essas esquinas de palavras flutuantes e sem sentido, a tarde se esvai [como numa ampulheta invisível] e não há nada, nada mais: encontrar-se e separar-se, tudo no universo se move assim, desde a mais ínfima partícula. Nenhum desprezo, nenhum remorso. Shhh! Silence. Vibram as palavras certas nesse oco. Por que escrevo? Porque já não suporto. Porque necessito um mundo outro. Porque não há outra possibilidade.

Pode vê-las? As palavras? Nenhuma dor e toda dor na mesma proporção. Quando, enfim, estarei liberta? Quero apenas estar livre, para as palavras. Todas. Lindas. Findas. Apago as luzes e medito no escuro. Como quem aprende a amar numa prisão, da qual não vê saída. Assim eu, debaixo de um céu negro desse outono  — nenhuma nuvem sequer! Só estrelas! —, contemplo de olhos fechados, teus olhos que mentem. Tenho muito tempo, ainda: as horas todas em que nenhuma voz, nenhuma palavra virão me arrastar dessa escuridão. Por isso escrevo. É a hora, enfim: em que todos se levantam e continuam sua cantilena de mentiras ditas aos séculos. Estou tão cansada, amor! Mesmo que te escondas nessa tua nova vida — inútil, enfim, esconder-se é sua melhor performance — teus olhos que mentem irão comigo ao meu exílio de desertos. 

Está vendo? O mundo segue, e roda, e tudo parece sempre o mesmo, mesmo que tenham virado nossas vidas de cabeça para baixo e inventado uma pandemia. É mesmo inútil, como inúteis essas mentiras todas de todos os dias. Espero, ainda. Horas e horas. Retiro-me apenas quando já não posso mais, e furar os olhos da verdade torna-se a única saída.



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